Minhas impressões como telespectador diário da Loading

Gostaria de ressaltar que essa foi a minha experiência com o canal, então, por favor, não leve isso como verdade absoluta.

Há de se convir que a televisão aberta sofre de uma expressiva carência de conteúdo. Todos os canais parecem seguir uma mesma receita de transmissão: programas de auditório sem propósito que servem apenas para conseguir patrocínio e encher linguiça por algumas horas, um programa de entrevista, algumas soap operas (feitas para durarem anos de transmissão diária com produção barata e fácil) e jornal, porque são obrigados. Quando ligamos a televisão, esperamos descansar, nos entreter com alguma coisa, só que, ao mesmo tempo, convém que este entretenimento nos acrescente, que, de certa forma, valha a pena ser consumido, que gere em nós um sentimento de progressão.

Na verdade, até tem uma certa variedade. Cinco ou mais canais religiosos (sendo uns três só para o Valdemiro), mais outros cinco do Governo, outros vendendo grade para jogos de azar e publicidade interminável e alguns passando jornal. Porém, quando o aparelho televisivo já estava começando a virar um objeto raro de se ver e comentar, eis que anunciam a criação de uma emissora voltada para o público jovem (!!) na TV aberta!

Primeiramente, cabe salientar que todo anúncio de nova emissora é empolgante, afinal, não é todo dia que nossa televisão ganha um novo canal (por mais que não assistamos). Quando eu vi esse anúncio pela primeira vez, confesso que fiquei curioso, porque a última a se arriscar por essa temática foi a Mix, da rádio homônima, que não conseguiu resultados satisfatórios. Era a hora da MTV retornar à TV aberta sob um novo nome: Loading. Arrisco dizer que a maioria dos empolgados não ficaram assim devido ao fato de serem jovens, mas sim porque finalmente teriam algum motivo para deixar a televisão ligada. Ninguém aguenta mais ligar a televisão e dar de cara com um "encontro" de idosas conversando sobre nada.

Caso não saiba, mesmo após o fim da MTV Brasil na TV aberta, o sinal ainda estava ativo, transmitindo a programação de um canal chamado Ideal TV (que arrendava horário para os evangélicos). Em um belo dia de novembro, folheando os canais em busca de alguma vergonha alheia, dei de cara com uma fita cassete escrito "Please Stand By" junto de um cronômetro: era a Loading, esperando para o início das transmissões!

Quando eu ouvi de um youtuber que "a Loading era uma PlayTV só que com dinheiro", eu só me convenci quando eles passaram a vinheta do Mr. 52x. Era surreal a qualidade que aparentava ser, com chamadas incríveis, numa temática grunge e pichações em meio a um fundo vermelho à lá Virtual Boy; sério, incrível.

Assim, por dias, eu esperei ansiosamente pela estreia da Loading, que passou alguns programas em determinadas partes do dia só para dar um gostinho. O primeiro que eu vi foi o segundo capítulo de "Her Legend" (que eu pensava ser o primeiro) e confesso que eu não ia muito com a cara de dramas coreanos, mas aquilo me prendeu de um jeito que você não tem noção (principalmente o final desse episódio). Tenho orgulho de dizer que "Her Legend" foi meu primeiro dorama e de ter pulado o primeiro episódio, pois se tivesse visto o primeiro não sei o que seria de mim hoje.

De todo modo, a Loading estreou às 20:30 (sim, estou usando colinha) com o primeiro programa transmitido sendo o Multiverso, sem dúvida o melhor que passou por lá (ou talvez o segundo), com um trio de sintonia perfeita. E é aqui que às coisas degringolam.

Ficou claro que quem organizou o canal tinha pouca ou quase nenhuma experiência com isso. Além de não ter vinheta de intervalo nos programas, realizando cortes abruptos e surpreendendo pela diferença de volume, só passavam duas propagandas: a da Kalunga e a da Iron Studios. A da Kalunga tinha uns dez segundos, mas a da Iron Studios tinha quase dois minutos. Sim, é isso mesmo o que você leu: eles colocaram uma abertura de anime para rodar mais de uma vez, junto com as vinhetinhas da Loading que não serviam para nada, uma reprise da propaganda da Iron Studios (claro, por que não...), um trailer de três minutos do canal, além das mesmas chamadas utilizadas na pré-estreia, que nem legendas tinham. Ah, é... eu preciso falar sobre isso.

Eu juro para você que eu não entendi para onde foi o vermelho que eles tanto abusaram na invasão do Mr. 52x, que nunca mais apareceu no canal. O que houve com o tema grunge, o sofá e as pichações? Trocaram o tema para duas cores aleatórias com círculos se movendo sem qualquer significado. Quando eu vi aquele "Ao Vivo" escrito com aquela fonte, que viria a ser utilizada em praticamente tudo relacionado ao marketing daquele canal, eu quase tive um treco. É a famosa "textura metálica" de One Punch Man 2.

Enfim, mas acredite, esse era o menor dos problemas. Por mais que a proposta tenha sido entreter, a qualquer momento que eu sintonizasse era possível encontrar alguém falando. Esse, na minha opinião, era o maior defeito da Loading no início: ter pouquíssimo espaço para as séries. Num bloco que deveria ser de animes, não acho que alguém tenha pedido para duas ou três pessoas ficarem comentando cada episódio. Era 10 minutos no mínimo de falação com o Mais Geek, o bloco da Funi, Mega Crush... Velho, eu odiava isso. Não, e aquele programa que consistia em assistir um dos apresentadores jogando por mais de uma hora um jogo batido como Crash Bandicoot que passava às 11 da manhã, enquanto tinha Bom Dia & Cia. no SBT ou passava alguma série ou desenho na Rede Brasil?

Para você ter uma ideia, existiam dois tipos de programas originais no canal: os principais, que tinham cenário próprio (Multiverso e Mais Geek) e os blocos opinativos, que compartilhavam o mesmo cenário (Mega Crush, Funimation TV, etc.). Mas enfim, tinham uma proposta interessante, apesar de eu meio que não dar a mínima.

Os desenhos infantis passavam ao amanhecer (tipo, 6 da manhã); às 9, se não me engano, passava os animes de menina; às 15 horas da tarde (grande salto, não é mesmo?) tinha drama coreano; às 18 ou 19 horas (finalmente, um horário acertado) tinha o Mais Geek (animes famosos); logo em seguida, tinha o Funimation (animes distribuídos pela empresa) e, por fim, lá pra meia noite tinha o Madrugada Crunchyroll. Isso porque os animes não podiam ter reprise, algo que deve ter sido deixado claro no contrato.

Em relação aos horários, os únicos que, de fato, acertaram, ao meu ver, foram o Mega Crush (que agora não me lembro se passou às 9 ou às 13 horas), num horário em que as crianças que estudam a tarde costumam já estar acordadas (sendo esse o horário do Bom Dia & Cia.) e o Mais Geek, que era o horário em que as crianças estavam chegando da escola e só querem saber de descansar, assistir alguma coisa (horário da extinta TV Kids). Preciso nem dizer que o bloco da Crunchyroll foi uma péssima jogada, ao meu ver, quando os pais já deviam estar na cama e não querem ter seu sono atrapalhado por uma televisão ligada à meia noite.

No início, deu problema duas vezes com a exibição de Shingeki no bloco da Funi, então eles retransmitiram no dia seguinte e, para mim, isso era uma incrível atitude (sacrificar programas diários para retransmitir animes). No que tange ao conteúdo, a Funi sempre saía na frente, com uma dupla que gostava de trazer informações úteis sobre o mundo otaku e, após os dois episódios de anime (sempre os mais badalados), tecer análises sobre (confesso que eu não dava a mínima). O Mais Geek era mais um debate sobre assuntos aleatórios relacionado a animes, mas eles traziam animes legais como Lost Canvas e Boku no Hero, mas o meu programa preferido era, sem dúvidas, um independente (por incrível que pareça): o TV Clube Coreia, aquele que passa na CNT, com um conteúdo que era excepcional. Não tenho palavras para os dramas que passavam lá, apesar de eu gostar real e unicamente do Her Legend (eu e mais um monte, bastando consultar a enquete da Loading no Twitter).

No início, deu pra ver que a Loading estava realmente empenhada, criando conta em tudo quanto é canto: Twitter, Facebook, Instagram, TikTok, YouTube... mas o que importava mesmo era o Twitter, que eles tentaram seguir a estratégia da Netflix de interagir e brincar com os internautas. Mas dava uma angústia quando acontecia alguns problemas por lá que você não tem ideia.

O primeiro deles foi logo na primeira semana, com um dos meus programas jornalísticos favoritos logo no primeiro episódio: Metagaming. Se ele tivesse sobrevivido ao terceiro, com certeza roubaria o pódio do Multiverso, porque o Metagaming fez uma reportagem espetacular sobre o racismo nos e-sports. O problema é que a Loading era uma espécie de Dressrosa: por cima, tudo é bonitinho e alegre, mas por baixo, as dores são silenciadas, pois eles queriam uma "agenda positiva" (isto é, simplesmente ignorar que existem mazelas no e-sports). Depois da demissão em massa (inclusive em solidariedade), o Twitter ficou sem postar nada por dias.

Obviamente, com a saída de parte dos crânios, o canal teve que se virar para evoluir, mesmo diante de tantos problemas. Eu meio que imagino se o Mr. 52x (um nome tosco que fazia referência a CDs) não estava no meio desse motim e foi embora, porque o canal tinha chamadas (inclusive do Metagaming), mas depois disso não teve nenhuma (alguém com experiência de TV deve pulado fora com os demais). Muito depois que finalmente começou a ter chamadas, mas sem nenhum narrador (o que é um problema óbvio de inclusão para com os cegos), o trailer foi parando de ser usado (ainda bem, porque ninguém aguentava mais ver três minutos daquilo a cada intervalo que tinha), novas propagandas surgiram, vinhetas novas... eles estavam superando a crise do início! Cara, tudo parecia estar indo de vento à popa, com campeonatos de jogos sendo transmitidos e fazendo um sucesso absurdo, animes sendo encomendados para dublagem (sim, agradeça à Loading pela redublagem de Sakura Card Captors e a dublagem de Fairy Tail), oitavo lugar em audiência... mas, do nada, seis meses depois, a Kalunga, que era a fonte-motriz de renda, desistiu e o canal teve que desistir da programação original. Isso significa que todos os funcionários foram demitidos e apenas quatro programas foram transmitidos em looping após esse acontecimento que chocou praticamente todo mundo: Sakura Card Captors, Lost Canvas, Black Clover e De Olho no Mundo (um jornal que só estava ali pra cumprir a lei da obrigatoriedade de jornalismo). Vez ou outra tinha um filme ou drama coreano, mas esses foram os quatro únicos programas transmitidos até o final, em novembro, faltando um mês para completar um ano de canal.

Quando o canal acabou, muita gente ficou azarando, dizendo que era inviável ter um canal geek na TV aberta sendo que era um público nichado e, na internet, conseguiria muito mais audiência. Eles, com certeza, não deviam saber que a Kalunga tinha uma dívida milionária e, como o canal, apesar do constante progresso, não era rentável pra eles, deixaram pra lá, um ato de irresponsabilidade que marcará a Kalunga para sempre. Mas há quem diga que não foi bem isso o que aconteceu...

Eu não vou entrar em uma discussão política, mas curiosamente, no mesmo dia da demissão, o dono da Jovem Pan foi visitar as instalações da Loading junto com o ministro das comunicações. Se isso influenciou em algo, não faço a mínima ideia, mas as pessoas não podem culpar o público ou as potenciais anunciantes que não investiram no canal pelo fim do mesmo, pois o alto escalão foi o real responsável. E eu digo isso porque não houve um pronunciamento sequer deles, pelo contrário: procuraram deletar todas as redes o mais rápido possível, fingindo que nada aconteceu, nem mesmo um pedido de desculpas para com o público ou os demitidos que saíram de empregos considerados seguros para embarcar num sonho que não durou seis meses. Mas eu gostava do Twitter, porque uma vez eu falei que o sinal não estava pegando bem na cidade onde moro e num piscar de olhos, o sinal voltou (então se você estava sentindo falta da Loading e, depois de uma semana, retornou, no dia 20 de fevereiro de 2020, me agradeça depois). Uma pena que acabou tão cedo.

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